Perspectivas e Cenários para Digitalização de Negócios Agro (1)

"Perspectivas e Cenários para Digitalização de Negócios Agro (parte 1)" é o tema abordado por Matheus Cônsoli essa semana, abrindo a sequência de quatro artigos.

Não é novo o assunto e a discussão sobre temas de digitalização dos negócios agro. Se você abrir páginas de conteúdo orientado para o agro, participar de eventos ou interagir com profissionais da cadeia, o tema “digital” já está presente em quase todo tipo de conversa, interação e de fato começa a aparecer mais tangivelmente na integração de negócios, serviços e soluções. Os diversos mapeamentos de ofertas digitais, agtechs, fintechs e “outras techs” mostram centenas de empresas, startups e um complexo ecossistema de negócios, investidores e hubs a procura de um mercado e clientes para as suas soluções.

Verdade seja dita, apesar do potencial e quantidade de ofertas, uma quantidade ainda pequena das soluções e empresas “digitais” disponíveis já atingiram escalabilidade, nível de integração e tangibilidade na entrega de valor aos seus clientes, nos diversos elos das cadeias produtivas no agro (e em outros setores também!).

Entretanto, uma das mudanças potencialmente robustas, que ao mesmo tempo atrai e assusta os players no mercado de insumos é a questão das vendas online, nos seus diferentes formatos e tecnologias. Do ponto de vista dos ofertantes, sejam fabricantes ou distribuidores, algumas empresas as veem como uma grande alternativa para massificar a oferta de produtos e serviços, outros as avaliam como destruidoras de valor – dada a transparência de informações e preços, alguns as consideram com visão contrária – exatamente a alternativa de posicionar preços de maneira mais padronizada e alinhada, alguns enxergam como modismo, e para outros será um “mal necessário”. Já do lado dos clientes, tem realmente sido uma fonte de informação e comparativos, entretanto, sem um empurrão ou ofertas agressivas em preço, os volumes e quantidades de negócios ainda são relativamente modestos, quando comparados aos modelos tradicionais de vendas e acesso ao mercado. Continuará assim? Será apenas uma questão de tempo? Que estratégias deveriam ser consideradas?

Vou abordar nessa sequência de artigos algumas questões e discussões exatamente sobre esse tema.  Não tenho a pretensão de dar uma resposta objetiva, mas sim fomentar análises, insights, discussões e orientar temas chave para as empresas e gestores que estão considerando o tema em suas estratégias. De fato, tenho trabalhando nos últimos anos com grande orientação para os negócios de insumos – principalmente com indústrias fornecedoras e a rede de distribuição, no Brasil e no Exterior – para de alguma maneira apoiar a estruturação de negócios e a transformação digital dos mesmos, buscando melhoria na obtenção, processamento e uso de informações, maior proximidade com clientes, ganhos e eficiência operacional e comercial, em busca de futuras alternativas reais de oferecer experiências ominichannel aos clientes e usuários finais dos seus produtos e serviços.

A começar pelo que acontece no Brasil, mas também acompanhando a mesma onda de transformação digital nos canais de acesso nos EUA, demais países da América Latina, alguns mercados na Europa, África do Sul e Ásia, primeiro fica claro que ainda não temos uma plataforma dominante na venda de insumos, nem dentro do setor nem de fora. A pegar como exemplo o caso brasileiro, com as diversas plataformas focadas no agro já existentes e a “ameaça” de entrantes de fora do agro, como Amazon, Mercado Livre ou Magalu, muito ainda há que se avançar na integração de ofertas, operação (fiscal, creditícia, técnica, regulatória e de logística), além do grande desafio de criar uma experiência realmente digital e ominichannel para os clientes. O segundo ponto, é que parece que a maioria das empresas está buscando uma solução digital para sua estratégia, e não criando uma estratégia digital para seus negócios!

Para abrir a discussão, algumas das preocupações dos players atuais – como fornecedores e distribuidores de insumos – é que outras empresas mais especializadas e com expertise técnica e digital possam vir de outros setores, e de alguma forma ameaçar modelos de negócios tradicionais. Se avaliarmos como “proxy” o que ocorreu nos mercados de varejo, as empresas líderes são de fato orientadas para o cliente e não para os produtos, utilizando cada vez mais ciência de dados e analytics para entender comportamentos e necessidades dos clientes. No agro, as informações agrupadas de temas técnicos, uso de produtos e máquinas, por exemplo, poderá rapidamente criar mecanismos de prescrição e recomendação automática de produtos, o que choca diretamente com o papel técnico e o conhecimento que atualmente reside nas equipes e diferenciais dos distribuidores de insumos.

A tomar apenas esse exemplo como base, players com capacidade e competência digital poderão eventualmente expandir seus negócios além da operação, área de atuação e cultivos de maneira muito mais rápida, potencialmente escalável, eficiente e barata. Então, algumas empresas ficam pensando em como criar soluções que irão desruptar o mercado. Tomo aqui emprestado uma fala do meu amigo Leandro Guissoni, professor da FGV, Darden e Harvard que diz: - Quem vai disruptar o mercado é o cliente, ao adotar eventuais alternativas e soluções oferecidas pelas empresas, e não as empresas em si.

E esse é um assunto complexo, multivariado e ainda em evolução, ao menos no negócio de insumos agrícolas e pecuários, soluções e serviços aos produtores. Talvez as perguntas fundamentais sejam se, quando e porque os produtores disruptariam o mercado adotando novas tecnologias e meios de fazer negócio? Novamente, não tenho as respostas, mas não custa nada brincar, especular e avaliar estrategicamente algumas dessas questões. Ao menos será um exercício para nos fazer pensar e refletir!

Nos próximos artigos dessa série volto a abordar esses temas e discutir, principalmente do ponto de vista dos distribuidores e fornecedores de insumos alguns temas, oportunidades e desafios relacionados à digitalização na forma de fazer negócios no agro. Bom trabalho a todos!