Reforma da Política Agrícola Comum Europeia (PAC): redução ou manutenção de subsídios?

Em Outubro de 2011 a União Europeia (UE) anunciou a nova proposta de orçamento para os subsídios que são pagos aos produtores rurais do bloco. O documento propõe a distribuição de 500 bilhões de euros (cerca de 1,3 trilhão) aos fazendeiros até 2020. Entenda como os recursos são distribuídos e como o Brasil poderá ser afetado se a proposta for aprovada.

No dia 12 de outubro de 2011 a União Europeia (UE) anunciou a nova proposta de orçamento para os subsídios que são pagos aos produtores rurais do bloco. O documento propõe a distribuição de 500 bilhões de euros (cerca de 1,3 trilhão) aos fazendeiros até 2020.
Contradizendo expectativas de que seriam anunciados cortes na Política Agrícola Comum (PAC) Europeia, expectativas essas sustentadas pelos altos patamares atuais dos preços dos alimentos que ameaçam especialmente as nações menos desenvolvidas, o novo documento não trouxe boas notícias. Ao que tudo indica a UE acabou cedendo às pressões dos governos nacionais que eram contra alterações na distribuição dos recursos. A proposta não foi bem recebida pelo Brasil, assim como pela ONU.
O documento apresentado refere-se ao orçamento do órgão para o período de 2014 a 2020. Na página oficial da Comissão Europeia (CE, braço executivo da União Europeia) o anuncio do ?projeto de reforma da Política Agrícola Comum (PAC) após 2013? define a nova política como ?mais justa, mais verde, mais eficiente?.
Sob um contexto de crise que atinge importantes países do bloco, a Comissão Europeia divulgou que o objetivo da reforma proposta é reforçar a competitividade, a sustentabilidade e o enraizamento da agricultura de maneira a garantir aos cidadãos europeus uma alimentação saudável e de qualidade, preservar o ambiente e desenvolver as regiões rurais. A proposta possui dez pontos chaves descritos brevemente a seguir:
1. Suporte equitativo à renda dos agricultores a fim de estimular crescimento e emprego: o apoio à renda (subsídio) englobará apenas os produtores rurais ativos, por meio de pagamentos diretos e deverá respeitar o teto de 300 mil euros por ano por propriedade considerando o número de empregos criados.
2. Instrumentos de gerenciamento de crise: criação de instrumentos mais eficazes e reativos para superar os novos desafios econômicos dos setores mais expostos às crises (armazenagem privada e intervenção pública) e incentivos à criação de seguros e de fundos mutualistas.
3. Pagamento ?ecológico? para preservar a produtividade no longo prazo e os ecossistemas: direcionamento de 30 % dos pagamentos diretos às práticas ecologicamente corretas como: diversificação de culturas, manutenção das pastagens permanentes e preservação de reservas.
4. Investimentos adicionais em pesquisa e inovação: duplicação dos fundos destinados a P&D com o intuito de alinhar as pesquisas com as necessidades dos agricultores e de acelerar a transferência de conhecimento.
5. Cadeia alimentar mais competitiva e mais equilibrada: apoio às associações de produtores e facilitação do acesso dos mesmos aos mercados evitando a ação dos intermediários.
6. Incentivo às iniciativas agro-ambientais: propõe que a preservação e reabilitação dos ecossistemas e a luta contra as mudanças climáticas, bem como a utilização eficaz dos recursos naturais, sejam duas das seis prioridades da política de desenvolvimento rural.
7. Atração de jovens agricultores: apoio à nova geração de ingressantes com menos de 40 anos, por meio de subsídios específicos durante os primeiros cincos anos da atividade.
8. Estímulo ao emprego rural e ao empreendedorismo: medidas como a disponibilização de um ?pacote de começo? de até 70 mil euros durante os primeiros cinco anos do negócio.
9. Cuidado com áreas mais frágeis: subsídios adicionais para agricultores localizados em regiões mais frágeis como aquelas em processo de desertificação, por exemplo.
10. Um PAC mais simples e mais eficaz: simplificação dos mecanismos administrativos. Por exemplo, apoio aos pequenos agricultores por meio do pagamento de montante fixo de 500 a 1.000 euros por propriedade por ano e facilitação da cedência de terras dos pequenos agricultores que cessam a atividade para outros que pretendam reestruturar o seu negócio.
Pelo documento atual a principal bandeira da proposta de reforma da PAC são os pagamentos diretos associados às questões ambientais, ou seja, a CE invocou o mote da conservação ambiental para justificar a necessidade de pagamentos diretos aos agricultores. Anteriormente tais pagamentos eram justificados como ?apoio à renda dos agricultores?. Cerca de 70% do orçamento previsto da PAC até 2020 deverá ser dispendido nesta modalidade de subsídio.
O orçamento total da PAC representa pouco mais de 40% do orçamento de toda a UE, número este que tem sido questionado pela população em geral, já que é destinado para menos de 5% de toda a população do bloco, que são os produtores rurais. Além disso, segundo estimativas os subsídios representam cerca de um terço da renda dos agricultores europeus. No panorama da atual crise econômica que acirra a disputa por recursos governamentais, algumas atividades críticas, como previdência social, saúde, educação e segurança poderão ser impactadas com a manutenção do orçamento agrícola da UE. Assim, ao manter os subsídios elevados a proposta gerou descontentamento nos mais diversos grupos de interesse, inclusive naqueles grupos diretamente ligados ao tema da PAC Europeia, que mesmo com a manutenção dos recursos também manifestaram desagrado.
Os ambientalistas queixaram-se que os incentivos não são suficientes. Outros consideraram a proposta um disparate ao passo que exige que 7% das terras de cada propriedade devem ser mantidas para fins ecológicos em um momento de escassez de alimentos e energia. Grupos preocupados com a competitividade do setor agrícola europeu afirmaram que faltou ênfase em mecanismos que contribuam para o aumento efetivo da produtividade das culturas. Muitos afirmaram que apesar do compromisso em subsidiar apenas produtores ativos, a definição do conceito, na prática, deve permitir que agricultores cujas receitas da atividade não agrícolas representam 95% do seu rendimento anual ainda recebam recursos financeiros.
Historicamente os setores do agronegócio brasileiro mais prejudicados com os pesados subsídios europeus são os produtores de açúcar, uma vez que a UE é o maior produtor mundial de açúcar de beterraba e os mecanismos contidos na PAC provocam uma alteração superficial de preços no mercado internacional prejudicando o açúcar nacional. O setor de carnes brasileiro também sempre foi muito prejudicado pelas barreiras não tarifárias como as barreiras sanitárias.
Embora a proposta de reforma da PAC não tenha sido bem recebida no Brasil em virtude da manutenção do elevado montante de recursos financeiros que será destinado até 2020 para os fazendeiros europeus, há no projeto um sinal de que as coisas podem começar mudar, ao menos para o setor sucroalcooleiro. O projeto de reforma anunciado contempla o fim do regime de quotas no açúcar. Tal regime que define limites de produção nacional e preços mínimos deve terminar até setembro de 2015, acompanhado por reduções nas tarifas de importação.
A mudança proposta não foi bem recebida pela Associação Europeia dos Fabricantes de Açúcar (CEFS) que argumentou que a justificativa para a abolição do sistema de quotas "inclui inconsistências, tais como o aumento previsto na produção europeia, enquanto na realidade a produtividade da beterraba, e os preços do açúcar devem diminuir?. Já a Associação de Usuários de Açúcar (CIUS) afirmou que a abolição das cotas deve estimular a concorrência no mercado e ajudá-los a superar as "dificuldades de abastecimento".
A proposta de reforma que em grande parte atrapalha o desenvolvimento dos países naturalmente competitivos na produção de alimentos segue na sequência para debate no Parlamento Europeu. A aprovação está prevista para o final de 2013 para entrada em vigor a partir de janeiro de 2014. Na ocasião em que a população mundial chega aos sete bilhões de habitantes e estima-se que será necessário um aumento entre 70% e 100% na produção de alimentos até 2050 para alimentar este contingente, espera-se que os envolvidos com a aprovação da reforma ainda possam refletir sobre o seu conteúdo.
Camila Dias de Sá é engenheira agrônoma pela ESALQ-USP e mestre em administração pela FEA-USP.

Matheus Kfouri Marino é engenheiro agrônomo pela FCAVJ-UNESP, mestre em engenharia de produção pela UFSCar, doutor em administração pela FEA-USP e professor da FGV-EESP. Especialista em gestão de revendas e cooperativas agroindustriais.

Fabio Matuoka Mizumoto é engenheiro agrônomo pela ESALQ-USP, mestre e doutor em administração pela FEA-USP e professor da FGV-EESP e do INSPER. Especialista no desenvolvimento de empresas familiares.